A alma do vinho (Charles Baudelaire)
A alma do vinho, certa tarde, nas garrafas
Cantava: "Homem, elevo a ti, que me és tão caro,
No cárcere de vidro e lacre em que me abafas,
Um cântico de luz e de fraterno amparo!
Bem sei quanto custou, na tórrida montanha,
De causticante sol, de suor e de mau trato
Para forjar-me a vida e enfim a alma ter ganha;
Mas não serei jamais perverso nem ingrato,
Pois sinto uma alegria imensa quando desço
Pela goela de quem ao trabalho se entrega,
E seu tépido peito é a tumba onde me aqueço
E onde me agrada mais estar do que na adega.
(...)
Repousarei em ti, vegetal ambrosia,
Grão atirado pelo eterno Semeador,
Para que assim de nosso amor nasça a poesia
Que rumo a Deus há de subir qual rara flor!"
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