segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A geografia e os vinhos


Quem entende de vinho, sabe das procedências das uvas, acompanha as safras. Nós, que só apreciamos, dependemos de cada indicação. Mas um pouco de conhecimento da geografia acaba nos ajudando, pelo menos uma referência básica, de procedência de locais ideais de boas uvas.

A dica veio do meu amigo Severo (o mesmo gaúcho que me mostrou o caminho das pedras para encontrar em beagá o bag-in-box da Casa Valduga). Primeiro, precisamos saber que as uvas viníferas dependem muito do solo e do clima. “Um lado de uma montanha dá uma uva, o outro uma fruta diferente. São aquelas terras da França, tipo Romanée Conti etc. Já o clima e o tempo de congelamento influem na formação da frutose que dará a fermentação para o álcool. Assim, os tempos (clima) da floração determinam a qualidade do vinho. Tempo seco e frio, safra de vinho bom; tempo chuvoso e quente, safra de ano maldito com vinho ruim”. Mas onde procurar as uvas? De onde vêm os bons vinhos? Aí ele me fala dos paralelos: “O Hemisfério Norte é mais quente que o Sul. Por isto, lá o clima ideal para viníferas está em volta do paralelo 40; aqui no Sul do mundo o clima ideal fica na linha do paralelo 30. No Norte, a linha geográfica entre os paralelos 40 e 45 graus passa pela California e a Europa mediterrânea; no sul, o paralelo 30 passa pelo Vale do Maipo, no Chile, em Mendoza, na Argentina, na Campanha Gaúcha, no Uruguai e Rio Grande, depois pega a África do Sul, Austrália e corre um pouco ao norte da Nova Zelândia, que é outra região produtora”.

Na dúvida, a gente olha no rótulo a região produtora. Põe no mapa. Se ficar nos paralelos, podemos arriscar, não é verdade?

E olhem bem: a Alemanha está fora. Também, ninguém em sã consciência poderá colocar fé em um produto que recebe o nome de “leite da mulher amada”. Bom vinho não seria. Agora está explicado. Cientificamente explicado, eu diria. Lá os bons produtos são de outra cepa. Mas os filósofos que de lá saíram certamente beberam vinho dos vizinhos.

O mapa que eu consegui não ajuda muito. Quem for mais especialista em capturar imagens de mapas e quiser contribuir com o blog será bem vindo.

Assim como o meu grande amigo Severo. ¡Gracias!

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Exercícios de ver o Brasil

Fiquei um tempo ausente. Não por falta de assunto, mas por conta de assuntos outros que nos tomam o dia. E o assunto não poderia ser outro senão eleição. Assunto sério. Tempo de discussões importantes e definidoras para o país, embora nem todos estejam tratando da mesma maneira.
Não dá para ficar de fora olhando o tempo passar.
Antes que me perguntem, e que não fique a dúvida, apoio Dilma Roussef. O país está passando por um longo processo de transformação e acho importante que tenha continuidade e vá além.
Nas andanças virtuais para colher informações políticas, deparei-me com um vídeo do Gilberto Gil, postado no blog do Luís Nassif, no qual ele dá um dos mais emocionantes depoimentos sobre o Brasil. Um verdadeiro exercício de ver nosso povo. Uma pérola. A decisão do meu voto passa um muito por essa percepção. Há muito tempo esse sentimento não era tão evidente e tão alastrado. Mas ainda precisa se alastrar mais. Precisamos exercitar nosso olhar.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Uma receita de sachertorte

O pedido veio da Roberta: ela queria a receita e a foto. A foto, já disse, já se foi. Da próxima fico mais atenta. Mas a receita lá vai. Mas lá vai com um alerta: é mais ou menos o que eu me lembro. geralmente, quando quero uma receita que não tenho, vou ao oráculo (google), busco, faço uma pesquisa, vejo as variações e faço a minha. Foi o que fiz e perdi minhas anotações. Mas é tão fácil, que, salvo engano, consegui reproduzir. E, claro, as medidas são apenas referências. Cada um vai ver consistência, quantidade de açúcar etc.
Só uma coisa não deve mudar: a massa, a beleza da textura da massa. É uma massa leve, porém firme (hmmm, credo, não pareceu muito claro). Mas a cozinheira ou o cozinheiro vai ver. O olhar é também um sentido muito estimulado na cozinha. Não terá dúvidas quando estiver frente a frente com a textura perfeita da massa. Pelo menos para nós, certo?

Sem mais conversa, a receita:

Ingredientes

Para massa:

150 g chocolate meio amargo

170 g de manteiga

170 g de açúcar refinado

6 ovos

100 g de farinha de trigo

Para recheio:

Geleia de damasco

Para cobertura:

170 g chocolate meio amargo

1 lata de creme de leite sem soro

Separar gemas e claras. Picar o chocolate e derretê-lo em banho-maria. Reservar. Bater a manteiga com 100 g de açúcar. Sem parar de bater, acrescentar as gemas, uma a uma. A mistura deve ficar bastante homogênea e leve. Depois, incorporar o chocolate ainda morno e a farinha de trigo. Misturar bem. Bater as claras em neve, acrescentar o restante do açúcar, batendo até ficar um merengue firme. Incorpore esse merengue ao restante da massa e coloque em forma redonda, de fundo solto, untada e enfarinhada. Assar em forno baixo (pré-aquecido) por 30 minutos. Assim que esfriar, leve à geladeira e deixe de um dia para outro.

No dia seguinte, desenforme torta, corte-a ao meio, no sentido horizontal e recheie com a geleia. Cubra com a outra metade da torta, passe uma camada fina de geleia. Cubra com a cobertura de chocolate. Para a cobertura, basta misture o chocolate e o creme de leite em banho-maria.

Desassombrei!

Foi uma bela experiência. Pena que não fotografei. Sachertorte pronta, devidamente recheada (com geleia de damasco) e coberta com chocolate meio amargo. Comemos, com bons amigos, acompanhada de um leve e delicado chantilly. Da próxima, eu me organizo e eu mesma faço a geleia. Fica ainda menos doce. Mas gostei da consistência da torta. Uma sobremesa sóbria, sem perfumes, delicada, estimula o paladar.

Mas, sobretudo, a melhor das experiências é sempre o exercício de desassombro. A retomada do domínio do fogo e das misturas sempre vai me fornecer bons sinais. Forças revigoradas. Pronto para novos pratos. Para os amigos. Para as boas e mobilizadoras conversas. O poder do fogo. Cozinhar faz bem. Muito bem.

No embalo, um chutney. Combinação de especiarias, exercício avançado. Principalmente quando demanda improvisos, como foi o caso.

“Eu pensei que malassombro fosse maior do que eu”. Saudações, gastro-musicais, ao Nóbrega!

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Exercícios de desassombro

Tempos sombrios. Suspenses no ar. Quando pensava que chegava um momento de distensão, renovam-se sombras, com novas e redobradas tensões. Mas a saudade da cozinha é maior. Tempos nervosos me afastam dela. Se sombreia a alma, desanda a comida, a apreensão rouba-lhe o sabor. Na cozinha, sinto quando chegam esses sinais. Mas a paciência me ensinou a respeitar os tempos para poder voltar a ela e, entre panelas, formas e talheres, encontrar a medida dos desassombros. Relação visceral com a cozinha. Afasto-me dela quando estou triste ou preocupada. Mas é nela que saio da tristeza ou do estado de preocupação imobilizadora (e passo para a boa e esclarecida preocupação).

É o que estou a fazer. Praticando o meu melhor exercício de desassombro: cozinha. Ajuda a clarear a mente. E após um período relativamente estendido de afastamento, nada melhor do que retornar com uma aventura gastronômica. Cheguei, enfim, ao desafio, por anos adiado, de fazer uma sachertarte. Receita da terra de Mozart, muito badalada por aquelas bandas. Consta que era a sobremesa preferida de Freud.

Comecei hoje. Amanhã termino a receita (é para ser feita de um dia para outro). Darei notícias dessa empreitada. Mas confesso que só de ver a massa tomando corpo já deu uma sensação boa... Manteiga com açúcar, ovos, chocolate derretido, farinha. Tudo se transforma.


quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Fragmento do patrono

Que ninguém nunca mais, depois de ler este poema, ouse duvidar: o vinho é vivo!

A alma do vinho (Charles Baudelaire)

A alma do vinho, certa tarde, nas garrafas
Cantava: "Homem, elevo a ti, que me és tão caro,
No cárcere de vidro e lacre em que me abafas,
Um cântico de luz e de fraterno amparo!

Bem sei quanto custou, na tórrida montanha,
De causticante sol, de suor e de mau trato
Para forjar-me a vida e enfim a alma ter ganha;
Mas não serei jamais perverso nem ingrato,

Pois sinto uma alegria imensa quando desço
Pela goela de quem ao trabalho se entrega,
E seu tépido peito é a tumba onde me aqueço
E onde me agrada mais estar do que na adega.
(...)
Repousarei em ti, vegetal ambrosia,
Grão atirado pelo eterno Semeador,
Para que assim de nosso amor nasça a poesia
Que rumo a Deus há de subir qual rara flor!"

"Sommeliagens" ou o direito de divertir

Não é regra, mas é bem comum: na onda de consumo sofisticado do vinho, há uma avalanche de sommeliers. Até parece que, sem o conhecimento exato, nenhum bebedor pode apreciar o vinho devidamente. Aliás, é necessário degustar. Beber é só um detalhe. Com toda sinceridade, há restaurantes onde a dica do sommelier mais constrange do que incentiva o cidadão a se entregar à delícia da embriaguez do vinho (poucas bebidas provocam uma embriaguez tão boa).
Então, vamos nos divertir. Este post é uma homenagem ao Alexandre, em suas sommeliagens em momento de embriaguez, lança o direito de se divertir. Tá certo: nem vamos tão longe nos micos, como cheirar rolhas. Mas não há dúvidas de que o humor é das melhores maneiras de aproveitar o estado de devaneio. Além da grande vantagem que é a capacidade de rir de nós mesmos.
Vale conferir. Um brinde!

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Só uma taça: é possível


Há cerca de dois anos, pouco mais, pouco menos, um amigo, Baraldi, comentava comigo:
_ Vai começar a entrar no Brasil uma coisa que algumas pessoas vão ter preconceito. Não tenha. É o vinho em caixa de três litros, ou cinco.
Eu havia alguns anos antes experimentado isso em um bar em Diamantina, no Espaço B. Havia gostado. Bom, boa solução. São os bag in box. Vinhos honestos, embalados em uma sacola de plástico acondicionada em uma caixa. O vinho sai por uma torneirinha. O vinho fica lá dentro, protegido da luz e do ar. Depois de aberto, dura umas quatro semanas.
Depois de haver experimentado em um bar em Diamantina, nem pista de encontrar em Belo Horizonte. Demorou muito até encontrar uma ou outra em algum supermercado. Agora, felizmente, encontrei, num distribuidor da Casa Valduga. Dica de um outro amigo, este gaúcho, o farrapo Severo.
Para quem quer tomar uma taça numa noite ou durante o almoço, nem compensa abrir uma garrafa. Desperdício. Já com o bag in box, isso muda de figura...
É um pouco de falta de informação nossa. Vinho sempre foi vendida como coisa cara, para apreciadores e iniciados. O bag in box ajuda a tirar um pouco esse mito e popularizar o vinho. São vinhos honestos, que nos deixam felizes, pois viabilizam uma dose cotidiana e com qualidade.