sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Estudos para uma mesa bem temperada (Parte I)


Tenho em casa um livro despretensioso. Chama-se “O livro das ervas, especiarias e pimentas”, editado pela PubliFolha, com textos de Gabriela Erbetta e design de Michelle Sedding Jorge.

Melhor inspiração não há. Afinal, não há dúvidas de que o principal segredo da boa comida está na descoberta de belas combinações de temperos. Temperar a vida. Realçar sabor de alimentos ou aperfeiçoá-los. Tudo isso é uma arte. Não sou nenhuma especialista no assunto, mas gosto de testar muito. Conhecer um pouco das propriedades de cada erva, especiaria e pimenta é fundamental para que a gente se liberte da armadilha dos temperos prontos, que deixa tudo com gosto de fast-food e faz pesar até o mais delicado filé de peixe. Daí, pensei em relembrar deliciosas receitas, feitas por amigos, em encontros prazerosos, a partir de cada tempero que Erbetta descreve no seu livreto. Um convite para exercitar nossa memória olfativa. Explorar os sentidos, o que pode começar por um delicioso passeio pelo mercado central, nas bancas de temperos...

Este post é só uma apresentação. Gabriela Erbetta conta no livro que quando estava escrevendo tomou “muitas xícaras de café com cardamomo”. Eu não a conheço, mas sei que temos algo em comum. Vou preparar a minha. Combinação excepcional, principalmente para o meio ou final de tarde, no meio do trabalho.

Quem tiver uma máquina de café expresso em casa, basta macerar as sementinhas de um cardamomo na xícara e escaldar com o café bem quente. Comece a beber pelo olfato. Quem não tem a máquina, também pode espalhar as sementinhas de cardamomo no pó de café diretamente no filtro, antes de despejar a água. Um petit-four de canela (ou um biscoitinho de gengibre) para acompanhar e... tirem suas próprias conclusões. E que a imaginação nos permita criar novos e variados acompanhamentos.

Observação: fui buscar a ilustração no blog panela de cobre, que falava sobre o mesmo assunto da delícia do cardamomo no café. http://paneladecobre.blogspot.com/2011/01/cardamomo-e-cafe-ao-cardamomo.html

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Boeuf Bourguignon

O ano pode ter começado bem no desejo de cozinhar mais.

Na festa de réveillon, a delícia do preparo: carne cortada e limpa. Cenouras cortadas. Cebolas descascadas e cortadas. Alho amassado. Cogumelos limpos e secos. Bacon cortados em tiras finas. Sal, louro, tomilho. Conhaque e vinho para regar. Panela fechada e a deliciosa espera do lento cozimento por cinco horas em fogo brando (menos que baixo, que fique claro). Está pronto o famoso Boeuf Bourguignon (que com nome tão pomposo pode ser traduzido como um cozido à moda da Borgonha). Essa foi minha contribuição para a festa de passagem de ano com os amigos. Reminiscências de tempos mais lentos. Mas também práticos. Fazer as traduções necessárias e construir o nosso tempo com referências tantas. Mas o importante é sentir cada sabor do prato.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Pela pedagogia da cozinha


Houve uma época em que o tempo empregado preparando alimentos era muito maior do que o tempo gasto no supermercado escolhendo marcas. E não é de hoje que essa lógica se inverteu. Tanto que já podemos contar com pelo menos uma geração adulta inteira que convive com essa realidade. Gente que nunca viu uma “galinha vestida”. No entanto, não é tão longínquo assim o tempo que se vai em que a cozinha fazia parte mais ativa da casa. Infelizmente não guardei a reportagem no saudoso Jornal do Brasil (e minha saudade não é do suporte papel e do formato standard) sobre mudança de hábito. O tempo passado referia-se a meados dos anos 50 do século passado, se a memória não me trai. E o tempo presente, que se prolonga até hoje, era o início dos anos 90, também do século passado.

Penso que nessa mudança de hábitos podemos entender uma boa parte de nossos problemas. Sem saudosismos. Não há dúvidas de que há uma importante libertação o uso da tecnologia para que as pessoas não sejam obrigadas a cozinhar todos os dias. Mas de que vale a libertação se elas nos conduzir a outras prisões? Livrar-se da obrigação de cozinhar não pode significar afastar-nos do prazer (ou dos prazeres) da cozinha. A imposição de tudo tão rápido, do tempo corrido, das muitas necessidades de consumo que se sobrepõem a importantes prazeres.

Não falo do prazer de cozinhar. Mas dos prazeres da cozinha, ou da gastronomia, quem se sentir mais confortável assim. Porque o risco não é o de abrir mão de cozinhar. Mas de abrir mão de ter o contato com o prazer de comer. Na correria, muitas vezes abrimos mão da delícia de curtir, apreciar, sentir o gosto da comida. Ver os alimentos em transformação. Identificar os variados gostos. Dar-lhes novas formas e outros gostos. O que não falta é gente com saudade disso.

E, afinal, na cozinha, o que não faltam são tarefas: tem os que cozinham, os que ajudam, os que aprendem, os que servem o vinho, os que conversam (essencial), os que apreciam. E todos degustam. Todos saboreiam.

O sabor não nos chega só a partir da língua, do paladar. Mas começa a ser construído a partir dos olhos, a partir do olfato, das nossas muitas percepções. Verdadeira pedagogia dos sentidos. Nossas almas também se aquecem com o fogo.

Em 2011 quero cozinhar muito. Conversar muito. Escolher, bem cedo, no sacolão, os ingredientes. Planejar pratos. Convidar os amigos. Celebrar a festa dos encontros abençoada por todos os sentidos. Deixar que os aromas invadam a casa. E cuidem de nossas amizades.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A geografia e os vinhos


Quem entende de vinho, sabe das procedências das uvas, acompanha as safras. Nós, que só apreciamos, dependemos de cada indicação. Mas um pouco de conhecimento da geografia acaba nos ajudando, pelo menos uma referência básica, de procedência de locais ideais de boas uvas.

A dica veio do meu amigo Severo (o mesmo gaúcho que me mostrou o caminho das pedras para encontrar em beagá o bag-in-box da Casa Valduga). Primeiro, precisamos saber que as uvas viníferas dependem muito do solo e do clima. “Um lado de uma montanha dá uma uva, o outro uma fruta diferente. São aquelas terras da França, tipo Romanée Conti etc. Já o clima e o tempo de congelamento influem na formação da frutose que dará a fermentação para o álcool. Assim, os tempos (clima) da floração determinam a qualidade do vinho. Tempo seco e frio, safra de vinho bom; tempo chuvoso e quente, safra de ano maldito com vinho ruim”. Mas onde procurar as uvas? De onde vêm os bons vinhos? Aí ele me fala dos paralelos: “O Hemisfério Norte é mais quente que o Sul. Por isto, lá o clima ideal para viníferas está em volta do paralelo 40; aqui no Sul do mundo o clima ideal fica na linha do paralelo 30. No Norte, a linha geográfica entre os paralelos 40 e 45 graus passa pela California e a Europa mediterrânea; no sul, o paralelo 30 passa pelo Vale do Maipo, no Chile, em Mendoza, na Argentina, na Campanha Gaúcha, no Uruguai e Rio Grande, depois pega a África do Sul, Austrália e corre um pouco ao norte da Nova Zelândia, que é outra região produtora”.

Na dúvida, a gente olha no rótulo a região produtora. Põe no mapa. Se ficar nos paralelos, podemos arriscar, não é verdade?

E olhem bem: a Alemanha está fora. Também, ninguém em sã consciência poderá colocar fé em um produto que recebe o nome de “leite da mulher amada”. Bom vinho não seria. Agora está explicado. Cientificamente explicado, eu diria. Lá os bons produtos são de outra cepa. Mas os filósofos que de lá saíram certamente beberam vinho dos vizinhos.

O mapa que eu consegui não ajuda muito. Quem for mais especialista em capturar imagens de mapas e quiser contribuir com o blog será bem vindo.

Assim como o meu grande amigo Severo. ¡Gracias!

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Exercícios de ver o Brasil

Fiquei um tempo ausente. Não por falta de assunto, mas por conta de assuntos outros que nos tomam o dia. E o assunto não poderia ser outro senão eleição. Assunto sério. Tempo de discussões importantes e definidoras para o país, embora nem todos estejam tratando da mesma maneira.
Não dá para ficar de fora olhando o tempo passar.
Antes que me perguntem, e que não fique a dúvida, apoio Dilma Roussef. O país está passando por um longo processo de transformação e acho importante que tenha continuidade e vá além.
Nas andanças virtuais para colher informações políticas, deparei-me com um vídeo do Gilberto Gil, postado no blog do Luís Nassif, no qual ele dá um dos mais emocionantes depoimentos sobre o Brasil. Um verdadeiro exercício de ver nosso povo. Uma pérola. A decisão do meu voto passa um muito por essa percepção. Há muito tempo esse sentimento não era tão evidente e tão alastrado. Mas ainda precisa se alastrar mais. Precisamos exercitar nosso olhar.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Uma receita de sachertorte

O pedido veio da Roberta: ela queria a receita e a foto. A foto, já disse, já se foi. Da próxima fico mais atenta. Mas a receita lá vai. Mas lá vai com um alerta: é mais ou menos o que eu me lembro. geralmente, quando quero uma receita que não tenho, vou ao oráculo (google), busco, faço uma pesquisa, vejo as variações e faço a minha. Foi o que fiz e perdi minhas anotações. Mas é tão fácil, que, salvo engano, consegui reproduzir. E, claro, as medidas são apenas referências. Cada um vai ver consistência, quantidade de açúcar etc.
Só uma coisa não deve mudar: a massa, a beleza da textura da massa. É uma massa leve, porém firme (hmmm, credo, não pareceu muito claro). Mas a cozinheira ou o cozinheiro vai ver. O olhar é também um sentido muito estimulado na cozinha. Não terá dúvidas quando estiver frente a frente com a textura perfeita da massa. Pelo menos para nós, certo?

Sem mais conversa, a receita:

Ingredientes

Para massa:

150 g chocolate meio amargo

170 g de manteiga

170 g de açúcar refinado

6 ovos

100 g de farinha de trigo

Para recheio:

Geleia de damasco

Para cobertura:

170 g chocolate meio amargo

1 lata de creme de leite sem soro

Separar gemas e claras. Picar o chocolate e derretê-lo em banho-maria. Reservar. Bater a manteiga com 100 g de açúcar. Sem parar de bater, acrescentar as gemas, uma a uma. A mistura deve ficar bastante homogênea e leve. Depois, incorporar o chocolate ainda morno e a farinha de trigo. Misturar bem. Bater as claras em neve, acrescentar o restante do açúcar, batendo até ficar um merengue firme. Incorpore esse merengue ao restante da massa e coloque em forma redonda, de fundo solto, untada e enfarinhada. Assar em forno baixo (pré-aquecido) por 30 minutos. Assim que esfriar, leve à geladeira e deixe de um dia para outro.

No dia seguinte, desenforme torta, corte-a ao meio, no sentido horizontal e recheie com a geleia. Cubra com a outra metade da torta, passe uma camada fina de geleia. Cubra com a cobertura de chocolate. Para a cobertura, basta misture o chocolate e o creme de leite em banho-maria.

Desassombrei!

Foi uma bela experiência. Pena que não fotografei. Sachertorte pronta, devidamente recheada (com geleia de damasco) e coberta com chocolate meio amargo. Comemos, com bons amigos, acompanhada de um leve e delicado chantilly. Da próxima, eu me organizo e eu mesma faço a geleia. Fica ainda menos doce. Mas gostei da consistência da torta. Uma sobremesa sóbria, sem perfumes, delicada, estimula o paladar.

Mas, sobretudo, a melhor das experiências é sempre o exercício de desassombro. A retomada do domínio do fogo e das misturas sempre vai me fornecer bons sinais. Forças revigoradas. Pronto para novos pratos. Para os amigos. Para as boas e mobilizadoras conversas. O poder do fogo. Cozinhar faz bem. Muito bem.

No embalo, um chutney. Combinação de especiarias, exercício avançado. Principalmente quando demanda improvisos, como foi o caso.

“Eu pensei que malassombro fosse maior do que eu”. Saudações, gastro-musicais, ao Nóbrega!