Houve uma época em que o tempo empregado preparando alimentos era muito maior do que o tempo gasto no supermercado escolhendo marcas. E não é de hoje que essa lógica se inverteu. Tanto que já podemos contar com pelo menos uma geração adulta inteira que convive com essa realidade. Gente que nunca viu uma “galinha vestida”. No entanto, não é tão longínquo assim o tempo que se vai em que a cozinha fazia parte mais ativa da casa. Infelizmente não guardei a reportagem no saudoso Jornal do Brasil (e minha saudade não é do suporte papel e do formato standard) sobre mudança de hábito. O tempo passado referia-se a meados dos anos 50 do século passado, se a memória não me trai. E o tempo presente, que se prolonga até hoje, era o início dos anos 90, também do século passado.
Penso que nessa mudança de hábitos podemos entender uma boa parte de nossos problemas. Sem saudosismos. Não há dúvidas de que há uma importante libertação o uso da tecnologia para que as pessoas não sejam obrigadas a cozinhar todos os dias. Mas de que vale a libertação se elas nos conduzir a outras prisões? Livrar-se da obrigação de cozinhar não pode significar afastar-nos do prazer (ou dos prazeres) da cozinha. A imposição de tudo tão rápido, do tempo corrido, das muitas necessidades de consumo que se sobrepõem a importantes prazeres.
Não falo do prazer de cozinhar. Mas dos prazeres da cozinha, ou da gastronomia, quem se sentir mais confortável assim. Porque o risco não é o de abrir mão de cozinhar. Mas de abrir mão de ter o contato com o prazer de comer. Na correria, muitas vezes abrimos mão da delícia de curtir, apreciar, sentir o gosto da comida. Ver os alimentos em transformação. Identificar os variados gostos. Dar-lhes novas formas e outros gostos. O que não falta é gente com saudade disso.
E, afinal, na cozinha, o que não faltam são tarefas: tem os que cozinham, os que ajudam, os que aprendem, os que servem o vinho, os que conversam (essencial), os que apreciam. E todos degustam. Todos saboreiam.
O sabor não nos chega só a partir da língua, do paladar. Mas começa a ser construído a partir dos olhos, a partir do olfato, das nossas muitas percepções. Verdadeira pedagogia dos sentidos. Nossas almas também se aquecem com o fogo.
Em 2011 quero cozinhar muito. Conversar muito. Escolher, bem cedo, no sacolão, os ingredientes. Planejar pratos. Convidar os amigos. Celebrar a festa dos encontros abençoada por todos os sentidos. Deixar que os aromas invadam a casa. E cuidem de nossas amizades.
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